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sexta-feira, janeiro 11, 2008

a cidade na vida aos olhos dele

"Nasci no coração da cidade, num bairro de classe operária construído em meados do século passado. Uma cidade feita de quarteirões extraviados, enclaves engastados no interior de outros enclaves. O bairro onde nasci não era diferente, flanqueado por cidadelas de lata e fortalezas de classe média-alta. Não era de todo invulgar encontrar pequenas ilhas de agricultura de subsistência, não muito longe das grandes avenidas. Cinco minutos no tráfego eram o suficiente para nos cruzarmos com os primeiros hortos improvisados. Já os subúrbios, que visitava regularmente, exigiam uma meia-hora de viagem. Inebriado pela cadência das luzes amarelecidas da auto-estrada, mal dava conta do perfil que se adensava e crescia em altura à medida que me aproximava da cidade-dormitório. Por altura da minha mudança definitiva para os subúrbios, trazia já comigo uma ideia daquilo que me esperava. Da minha visita semanal a casa dos meus pais, conhecia o famoso Domingo em frente à TV. Há quem diga do habitante dos subúrbios que nasceu de um saco de cimento, um dizer popular que se baseia no assombro sentido perante a ocupação quase instantânea de novas torres de habitação. Talvez explique ainda o tédio que não raras vezes o incapacita. A existência desprovida de sentido, incapaz de comprometer-se por não saber como fazê-lo para lá de uma actividade sancionada, tal é o sentimento que se revela no seu espírito quando confrontado com tempo livre. Dormir apresenta-se então como a solução à mão, mas como todo o paliativo engendra tão-só alívio temporário. Dormir acordado é algo inteiramente diferente. Poderá confundir-se o simples dormitar com o sonambulismo, mas não poderiam ser mais diferentes um e outro. O primeiro vê território desolado onde este último encontra terreno por desbravar." Nuno Pedrosa [aqui]

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